Supremo Tribunal Federal à favor de empresária preta vítima de racismo

Supremo Tribunal Federal brasileiro impugna decisão judicial entendida como censura à liberdade de expressão e de imprensa


Por Paulo Mileno


A Suprema Corte brasileira decidiu o recurso de um dos processos judiciais em um caso conhecido como o primeiro Lawfare racial brasileiro. Desde de 2016, a empresária Luanna Teofillo vem sofrendo perseguição jurídica por ter denunciado uma discriminação racial em seu antigo ambiente de trabalho num episódio conhecido como #tiraisso.


O fato ocorreu durante o expediente na empresa PR Newswire, uma multinacional da área de Marketing e Relações Públicas. A CEO Thais Antoniolli,  com seu poder de chefe, disse à Luanna de forma vexatória diante de toda equipe, “Eu não vou aguentar, tira isso!”, se referindo às tranças box braid no cabelo de sua então funcionária.


Lawfare racial


O caso, presenciado na frente dos demais colegas, foi levado para o departamento de Recursos Humanos e para a sede da empresa Cision nos Estados Unidos, que consideraram o fato corriqueiro. Thais Antoniolli, não se retratou e depois de uma série de humilhações e violações ao direito, Luanna Teofillo foi demitida.


Após processar a trabalhadora duas vezes no juízo cível e duas vezes no âmbito trabalhista, e um dos processos ter gerado a condenação da funcionária ao pagamento de indenização por danos morais, segundo o entendimento da Juíza do Trabalho, a empresa mais uma vez utilizou o Poder Judiciário, dessa vez contra as mídias que à época noticiaram o caso, censurando a publicação da matéria, entre elas Yahoo, Alma Preta, Efigenias, Mundo Negro e a Ponte Jornalismo que entrou com um recurso contra a censura da decisão.


Mas o que o espírito da supremacia branca não poderia esperar é que o Ministro Luís Roberto Barroso do Supremo Tribunal Federal iria incorporar o espírito da justiça quando esse caso chegasse nas suas mãos. Eis a sentença:


"A matéria em exame atende aparentemente ao requisito da veracidade, porque não se trata de divulgação deliberada de informação que se sabe falsa, já que a prática da discriminação racial, em si, não foi objeto das ações judiciais mencionadas, mas, apenas, a sua divulgação pela ex-empregada. Da mesma forma, há que se reconhecer a licitude do meio empregado na obtenção da informação e a gravidade dos fatos disputados, que revela também a existência de interesse público na divulgação em tese. 


A decisão reclamada, no entanto, impôs censura prévia a uma publicação jornalística em situação que não admite esse tipo de providência: ao contrário, todos os parâmetros acima apontam no sentido de que a solução adequada é permitir a divulgação da notícia, podendo o interessado valer-se de mecanismos de reparação a posteriori. Assim sendo, a decisão reclamada aparentemente violou a autoridade do acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Federal na ADPF 130, Rel. Min. Ayres Britto, que é enfático na proibição da censura prévia.”


Essa foi a terceira decisão judicial favorável para Luanna, que já havia garantido sua liberdade de expressão no juízo cível e trabalhista em foro de São Paulo. Este ano, a empresa PR Newswire e a gerente Thais Antoniolli foram condenados por prática de racismo em um processo administrativo. A decisão ainda cabe recurso.


Nas redes sociais, Luanna comentou o caso:


"Hoje, em plena pandemia, crise internacional, genocídio do povo preto, mais de 3 mil mortos por dia de Covid, o Poder Judiciário teve mais uma vez que decidir se uma mulher preta tem o direito de compartilhar sua experiência e se mídias tem o direito de divulgar informação de interesse público."


O caso é  o que o professor Milton Santos chamou de revanche da cultura popular sobre a cultura de massas: uma forma de documentar e contribuir para a cultura e jurisprudência através de notícias, publicações e artigos.


Uma revanche instrumentalizada pelo Império da qual se apropria o oprimido para construção de legado e documentação histórica sobre o racismo estrutural e corporativo brasileiro, e a resposta do poder judiciários a estes casos.


:: Efigenias ::


Abaixo a censura



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Paulo Mileno é um ator, escritor, pesquisador, conselheiro editorial da Revista África e Africanidades e co-autor do livro The Routledge Handbook on Africana Criminologies (2021) publicado pela Routledge International Handbooks. Mileno colabora para diversos jornais nacionais e internacionais, como Jornal do Brasil, Brasil de Fato, Observatório da Imprensa,  Black History Month (Londres - Inglaterra), Black Star News (New York - Estados Unidos), San Francisco BayView National Black Newspaper (San Francisco  - Estados Unidos), Ufahamu: A Journal of African Studies da Universidade da Califórnia, UCLA (Los Angeles – Estados Unidos) e Africa Business (Cidade do Cabo - África do Sul). Contato: pmileno@gmail.com