Por Paulo Mileno
Encorpando uma ironia inteligente e um
deboche respeitável, o Samba Abstrato é um caso de estudo. São 80 mil
seguidores. A cada postagem, se verificam um média de 5000 comentários por
minuto em momentos de pico. De acordo com GOAT - Greatest Of All Times do MMA
Jon Jones, “Homens mentem. Mulheres mentem. Números, não”. Ou seja, pelos
números, dá para ver que o público curte e o Samba Abstrato é um sucesso.
Sendo sempre assim, há 08 anos atrás, nascia a 15 de janeiro de 2016, o querido Samba Abstrato tanto amado por muitos, como odiado por poucos, porém, respeitado por todos. Convenhamos que é uma façanha manter esse equilíbrio instável.
Ao mesmo passo em que chovem comentários do tipo “vocês estão com inveja”, “somos todos iguais”, “o carnaval é de todos”, num passo de contratempo, surge: "sou branca, portuguesa, acompanho a vossa página em ambas as plataformas (agora só aqui), admiro o vosso trabalho, não me sinto ofendida na minha ‘branquitude’ (também era o que faltava!) e lamento quem vê os vossos posts como um ataque pessoal, ao invés de interpretar, pôr a mão na consciência e compreender que é sobre raízes, ancestralidade, cultura e lugar. Que a força das musas concretas seja mais forte do que as pessoas abstratas que por aqui param!”.
Haters e Lovers desfilam juntos no arrasta para cima e arrasta para
baixo nas redes sociais.
Cabe registrar que na origem semiótica do termo, a ironia e “robustez ranzinza” faziam parte dos traços de carácter de Paulo Vanzolini (25/04/1924 - 28/04/2013 ) que para rivalizar com o seu Samba Erudito lançado em 1967, lançou em 1974 o Samba Abstrato. “Ou dizer, muito ao contrário / Que espetáculo tão frouxo / Nem merece comentário” Vanzolini
Nesse samba, vemos um lamento, um murmúrio sobre um espetáculo que talvez se aplauda por educação ou se entoe na maior vaia. Enquanto se assiste a tragicomédia, o personagem encontra em seu silêncio uma forma de lutar, assim como mantém sua calma para resoluta. Porém, a resistência decai e a força se esvai.
“Em nome da lei, justiça e cultura. Nós temos uma missão”. Assim a Diretoria introduz os dizeres no site oficial do Samba Abstrato. No caso do SA, não se pode deixar a força afrouxar e a resistência exaurir. Foi feita até uma convocatória pedindo para replicar a frase “EU ME COMPROMETO COM A NOSSA MISSÃO” para que assim sejas possível saber com quem se pode contar com a manutenção do bem estar da comunidade.
Como se pode ver, a comunidade abraçou o Samba Abstrato e se engajou ao enviar fotos e compartilhar os relatos que se flagrava durante o carnaval nos quatro cantos do Brasil. Essa troca com a comunidade foi naturalmente de forma orgânica e espontânea, uma vez que o Samba Abstrato criou palavras, frases, expressões e imagens que o povo já via acontecer e daí que gerou tanta representatividade.
O roteirista Marton Olympio costuma falar em aderência e que se o roteirista não tiver identificação, vivência, verdade e coração, o público não será tocado.
Nesse sentido, a diretoria vive o carnaval e é um público de carnaval, que vai em ensaio de quadra, na rua, na avenida, veste a camisa e a fantasia durante o carnaval. A diretoria é o povo, assim como o público fiel do SA que, numa via de mão dupla, notaram uma deturpação momesca ao decorrer do tempo, uma apropriação da figura da musa abstrata que sintetiza toda essa abstração carnavalesca. Portanto e por tanto, a diretoria é uma crítica fruto de um momento histórico cultural.
Dentro dessa conjuntura, o Samba Abstrato encontrou na escola de samba a sua localização, o cenário como o seu mundo mágico, sendo a musa abstrata a protagonista, o antagonista sobrou para o vilão carnavalesco e o biscoteiro figura como personagem coadjuvante. A crítica é sempre com humor de aspecto mimético e ressignificação dos memes.
O Samba Abstrato nada mais é do que uma sátira da realidade face o grotesco das fantasias racistas blackface e blackfishing.
O Samba Abstrato muito mais é do que uma contestação política, registro histórico de um tempo, ainda que pese que as denúncias, ataques orquestrados, as ameaças de processo possam apagar toda uma construção ao longo dos anos. Se incomoda, é porque desconcerta.
“Querem me controlar, mas são todos descontrolados”. “Querem me calar, mas olha eu aqui de novo” como na canção do Planet Hemp. Querem tacar fogo no único refúgio onde se abstrai do mundo paralelo e abstrato que se tornou o samba regido pela rainha de bateria.
Todos esses anos, o Samba Abstrato vem promovendo o Troféu Musa Abstrato, onde os membros da comunidade escolhem através de voto secreto diretamente de sua casa, quem será a musa da vez e quais foram os eventos que mais viralizaram no quesito abstração durante a vigente temporada.
Desde 2016, a primeira temporada, saltando para 2018, onde houve um grande crescimento da página, e nos últimos anos como 2022 que foi a primeira temporada com enredo definido “O carnaval depois do fim do mundo”, 2023 que teve como temporada “Professores - os verdadeiros heróis da nação” e agora em 2024 onde acontecerá “A revolução industrial abstrata”.
Se permitirem e não levarem tão a sério ou finalmente entenderem a justificativa e os objetivos do Samba Abstrato, poderemos continuar uma tradição que impactará uma época. Quem viver, verá!
No entanto, até hoje, não se foi consultado o jogo de búzios para perguntarmos sobre o destino do Samba Abstrato na história dos tempos. Não fizemos (ainda) o jogo, mas sentimos. Essa é a nossa intuição e voz da ancestralidade.
Afinal, conforme o Samba Abstrato através de sua Diretoria discreta e secreta nos ensina nessa entrevista:
“O samba é uma história dos orixás e nasce através das mãos das mulheres e homens pretos. É criado e surge de forma espontânea como é tudo o que acontece na natureza. O samba cresce, se desenvolve, expande, e junto com ele, o seu universo. E da dualidade existente entre o positivo e o negativo, nasce o mundo reverso que é o universo do samba abstrato (...) Samba Abstrato é uma tradição carnavalesca preta e autêntica, assim como é o samba, a escola de samba, o rap, a capoeira, o funk,o candomblé. Todos nascem no mesmo chão de terra, do mesmo terreiro, da mesma alma de pessoas pretas sentadas em uma roda”.
Samba Abstrato!
09 Anos e contando
