Uma lenda urbana sobre a trajetória de um homem exilado de alguma região da África, durante o tráfico humano transatlântico com destino ao Brasil, conta que, quando esse homem foi “encantado”, sua alma do Preto Velho passou a ser cultuada por escravizados em das fazendas Vargens e até meados do século passado, este antepassado, através da Entidade Pai Tertuliano, manifestava-se espiritualmente no Terreiro de Umbanda de Astrogilda.
Transmitido oralmente de geração em geração, por séculos, esse achado histórico compôs a justificativa para o certificado oficial emitido pela Fundação Cultural Palmares, em 2014, em nome da comunidade remanescente quilombola, Cafundá Astrogilda criado em Jacarepaguá, Zona Oeste do Rio de Janeiro, nunca tinha ouvido falar desse quilombo, localizado em Vargem Grande, eis uma encruzilhada entre terreiro e quilombo.
Gravaçãono Terreiro Tenda Espírita Descanso de Pai Artur.
A partir desse ponto de partida, com esse primeiro documentário meu, busquei as convergências da encruzilhada entre Terreiro, Quilombo, Patrimônio Histórico e Território. Naquela ordem. Este filme é uma obra de arte autoral e, como diz o ex-ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, e atual advogado de Dado Villa - Lobos e Marcelo Bonfá no Caso Legião Urbana, “o produto artístico é uma extensão da personalidade”. Afinal, foi no território onde fui criada, os primeiros contatos com a arte, em casa com a consciência negra e na rua com as religiões de matriz africana.
Cresci atravessando as ruas com oferendas no chão, vendo-as sendo entregues e, raramente, incorporadas, como vi na Praça da Maconha, menos conhecida como Praça Waldir Vieira.
Porém, “os ingredientes mágicos”, como diz o mestre Jayro Jesus, não são o tema do documentário. Embora comece falando do Terreiro, não é um filme religioso. O tema é sobre “Uma forma de continuidade, persistência, um modo de vida, um modo de pensar que é milenar na África”, como nos ensina o professor
Muniz Sodré. Portanto, a abordagem é a encruzilhada entre o Pensamento do
Terreiro e o Quilombismo. Leia também sobre
Aquilombamento.
Da época do Brasil Colônia até hoje, algumas paisagens permanecem no espaço, ora preservadas a exemplo da Fazenda da Baronesa da Taquara e da Fazenda do Engenho D’Água e outras em ruínas como a Fazenda do Rio Grande e a Fazenda do Engenho Novo. O Patrimônio Histórico, por vezes, é inacessível e desconhecido dos moradores da região. Todos esses lugares se tornaram Set.
Desse ponto de vista, se o pouco que se conhece é a perspectiva do colonialismo, o quilombismo acaba sendo ocultado do imaginário dos moradores e até mesmo dos professores das escolas do bairro. Porém, foi através de um amigo da minha turma e do irmão dele, ambos professores de história, Renato Dória e Julio Dória, que conheci o Quilombo Cafundá Astrogilda.
Paulo Mileno e Renato Dória na 2ª Edição da Caminhada Eco-Histórica (2017)
Enquanto isso, é a nova geração que resgata a história e as narrativas de resistência contra a mentalidade escravista. Do ponto de vista sankofa e afrofuturista, nem mesmo esse quilombo redimensionado em seu passado, escapou do apagão, arrasto ideológico e armadilhas do colonialismo, para citar algumas expressões tradicionalmente usadas pelo mestre Jayro Jesus.
Assim, este filme quer pensar isso também, despertando a atenção para a seguinte pergunta de Jayro “O que éramos nós (na África pré-colonial)? O que eles fizeram conosco (sob o colonialismo)? O que poderíamos nos tornar novamente na decolonialidade?” Assim, poderemos conceber uma reontologização desses estados de coisas. Eu não diria radicalização. Apenas um ponto de vista dialético para a realidade de hoje. Jacarepaguá foi a segunda região mais próspera da Colônia, sendo conhecida como “Terra dos 11 Engenhos”, tornou-se um bairro de classe média e abriga os estúdios do Polo Cine, Record e Globo, a maior rede de televisão da América Latina . Porém, com tanta história, a história do bairro foi distorcida.
:: Efigenias ::
Estamos todos entre terreiros e quilombos