Milton Gonçalves. Reprodução Internet
Por Paulo Mileno
Baluarte das artes e da representatividade, Milton Gonçalves faleceu em 30 de maio de 2022 devido a problemas de saúde, resultante de um AVC, em 2020, ao voltar do Renascença Clube, um histórico clube no Rio de Janeiro.
Milton começou no teatro e teve uma carreira brilhante no cinema, participando de aproximadamente 50 filmes, incluindo em Hollywood com Kickboxer 3: The Art of War (1992), entre outras produções internacionais. Ele fez mais de 40 novelas como ator e ele também foi um diretor de novelas na maior rede de televisão da América Latina, a Rede Globo, num tempo em que ele e Luiz Antonio Pilar eram os únicos diretores negros de TV. O que me faz lembrar da A potência de Sabrina Fidalgo contra o ódio branco, tempos distintos mas a mesma problemática.
Gonçalves foi um ícone na televisão brasileira e muito tem sido dito sobre sua importância. Eu vou focar numa faceta pouca discutida após sua morte - sua posição como um ator negro e voz pública que eu considero seu maior legado.
Em primeiro lugar, o Brasil que Milton Gonçalves nasceu, em 1933, e o que nos deixa em 2022, é outro pais porque ele foi um pioneiro como um ator negro e ele lutou para transformar o imaginário social. É impossível contar a história da televisão brasileira sem dar destaque para Milton Gonçalves. Nem mesmo a supremacia branca pode apagar esse fato.
Mesmo já estando consagrado no meio artístico e famoso para o grande público, ele nunca optou pela zona de conforto. Ele foi da diretoria do Sindicato dos Artistas do Rio de Janeiro (SATED/RJ) e sua voz está na secretária eletrônica do sindicato até hoje. Milton foi um crítico, inclusive da Rede Globo.
Em nossos dias, muito se fala sobre empoderamento. Para as novas gerações, Milton Gonçalves deve ser tomado como referência na luta. Na novela Cabana do Pai Tomás (1970), o ator branco Sérgio Cardoso interpretou um personagem negro e Milton, que também estava no elenco, testemunhou esse bizarro blackface.
Sérgio era um homem branco e pintava o corpo de preto para viver o papel principal da novela.
Avanços existem e são necessários
No clássico documentário, A Negação do Brasil (2000), dirigido por Joel Zito Araújo, Miton criticou a novela Cabana do Pai Tomás e outras produções da Rede Globo ambientadas no subúrbio do Rio de Janeiro e na Bahia, o maior estado negro do Brasil, porque, em ambos lugares, nem mesmo os figurantes eram negros. Entretanto, o avanço da Rede Globo nas questões raciais é indiscutível. Hoje, um novo blackface seria impossível.
No Youtube, há um vídeo do ator e diretor José Wilker falando sobre como a TV Globo se tornou um veículo de comunicação de massas tendo como semelhança os estudos de Mein Kampf fazendo simetria com o partido nazista.
De acordo com Wilker, paradoxalmente, quando a TV está enfrentando esses problemas diariamente, a TV acaba se modernizando sobre o debate público, as demandas da sociedade e progredindo sobre as questões sociais.
Infelizmente, nós não temos mais Milton Gonçalves entre nós. A vida de Milton representa a transformação de um homem preto que deixou o interior para viver nas metrópoles do país. Entretanto, ele incorporou um personagem que somente ele poderia representar para nós. Agora ele se transformou numa entidade nos corpos celestes.
:: Efigenias ::
Gratidão