A Metade da história que nunca foi contada

Foto de Juca Martins/Olhar Imagem. “Manifestação durante a reunião da SBPC, Salvador, BA, 1981”.




"A Metade da História que Nunca foi Contada" - escravidão e a criação do capitalismo americano (The Half Has Never Been Told: Slavery and the Making of American Capitalism) é um livro lançado em 2014 pelo escritor e professor de História na Cornell University, Edward E. Baptist, um homem branco.

Esse livro pode ajudar a entender a formação do capitalismo nas Américas. O caso do Brasil é específico nesse ‘approach' uma vez que os livros de História nos ensinam que no período pós-abolição, os imigrantes europeus e asiáticos, chegaram em massa para dar as caras na promissora terra da “Democracia Racial”. Da noite para o dia, do passado, restaria o pesadelo.

Na obra "Fazer a América: a imigração em massa para a América Latina" (1999) de Boris Fausto há a seguinte passagem logo na introdução:

“No caso brasileiro, os estudos de Roger Bastide e Florestan Fernandes partiram do problema das relações raciais e do preconceito, gerando uma série de trabalhos sobre o assunto, que se estendeu a seus discípulos. Foi, aliás, a partir desse centro de interesse que se passou a se reconstituir a história econômica de São Paulo e sua transição para o capitalismo. As suas escolas sociológicas tinham objetivos comuns, sob rótulos diversos. Mas de um lado, enfativa - se imigração; do outro, o problema do negro. As escolhas não foram acidentais"
Não foi por acidente também as “descobertas científicas” que sustentaram a supremacia branca e as práticas eugenistas, tal qual, é sabido que os imigrantes saíram de seus países com passagens pagas pelo governo brasileiro e quando desembarcaram tiveram, garantido por lei, moradia, terras, trabalho e escola, enquanto que a mão de obra das pessoas que fora escravizadas não teve qualquer indenização ou direito ao trabalho e educação. A própria sorte, vagavam pelas ruas.

Assim nascia o racismo econômico. A problemática racial precede e forma uma simbiose com o capitalismo. A metade da história que nunca foi contada é essa acima, escrita pelos brancos. A outra metade tem sido escrita por mãos negras.

Levante-se


Bob Marley usou essas mesmas palavras em Get Up, Stand Up! (Levante, resista!) ao querer passar suas batidas sonoras “Você pode enganar algumas pessoas à vezes / Mas você não pode enganar todas as pessoas o tempo todo” (You can fool some people sometimes / But you can't fool all the people all the time).


Nesse mesmo sentido e também através do reggae, o músico Sizzla com sua letra Half Has Never Been Told, acresce “Mulher negra, pare de varrer a rua da mulher branca / Jovens do gueto vão estudar técnicas de babilônia” (Black woman, stop sweep white woman street / ghetto youths go study babylon technique), deixando entender que a mulher preta não deve ser subserviente às sinhazinhas e as novas gerações devem estudar as técnicas da babilônia para subverter o sistema.

E a consciência racial cada vez mais, se amplia. Desde sempre. Entretanto, nem sempre documentada por razões que poderemos desconfiar.

O Quilombos, Terreiros, Irmandades Negras, Clubes Negros, Imprensa Negra, Teatro Negro, Poesia Negra, Literatura Negra, Cinema Negro e todo Movimento Cultural Negro Brasileiro e mundial ao exemplo do Renascimento do Harlem, Blaxploitation, mídias negras afroamericanas, Négritude e o Cinema Africano no pós indenpendência, são, todas elas, demonstrações das vozes negras em todo mundo que estão contribuindo com suas narrativas dialeticamente ao pensamento hegemônico.

A luta é longa porque até o Ano 2 da pandemia do SARS-CoV-2, há a vigência no mainstream, da história dos descendentes de africanos ser reduzida a escravidão e que os africanos não tinham história.

Nós somos o povo originário e ancestral vivo das maiores civilizações mundais, mas metade da história nunca foi contada. Como diz a polímata Luanna Teofillo, preste atenção no que os intelectuais pretos estão fazendo, hoje, se você quiser saber do futuro.

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*Paulo Mileno é um ator, escritor, pesquisador, conselheiro editorial da Revista África e Africanidades e co-autor do livro The Routledge Handbook on Africana Criminologies (2021) publicado pela Routledge International Handbooks. Mileno colabora para diversos jornais nacionais e internacionais, como Jornal do Brasil, Brasil de Fato, Observatório da Imprensa, Black History Month (Inglaterra), Black Star News (New York - Estados Unidos), San Francisco BayView National Black Newspaper (San Francisco - Estados Unidos), Ufahamu: A Journal of African Studies da Universidade da Califórnia, UCLA (Los Angeles – Estados Unidos) e Africa Business (Cidade do Cabo - África do Sul). Contato: pmileno@gmail.com