Uma história de carnaval, racismo e esperança



Desde que me formei na faculdade de Direito nunca me interessei em advogar. Foquei meu rumo na transição de carreira para a área tecnologia e nunca mais voltei aos códigos e tribunais. Mas tudo mudou em 2019 durante o desfile da Mangueira...


Com o enredo História pra Ninar Gente Grande, a Estação Primeira de Mangueira contou na Marquês de Sapucaí a história do brasil pela ótica de heróis pretos e populares. E eu, cria de carnaval que sou, estava acompanhando o desfile quando apareceu uma ala dedicada à uma mulher preta chamada Esperança. 

Esperança Garcia era uma mulher escravizada no brasil do século XVIII em uma fazenda no municipio de Nazaré do Piaui. Cansada dos maus tratos sofridos por ela e seu filho pelos brancos donos da fazenda, resolveu escrever o que foi considerada a primeira petição feita por uma mulher no brasil, antes mesmo do patriarca abolicionista e advogado Luís Gama.

Como nos longos anos nos bancos da faculdade de direito eu nunca havia ouvido falar da primeira advogada do brasil? Que coragem uma mulher preta escravizada teve de recorrer à tutela do Estado? Que bom que eu pude mais uma vez contar com uma escola de samba e conhecer essa história que mudaria minha vida pra sempre.


Uma luta de séculos


Eu já havia sido processada duas vezes por ter denunciado o racismo que sofri trabalhando em uma empresa. Para minha surpresa, em 2019, após duas sentenças que julgaram o pedido da empresa e da gerente improcedentes, afastando a hipótese do dano moral, mais uma vez eu estava sendo intimada a responder judicialmente por contar algo acontecido na minha vida.

Quando descobri que Esperança escreveu sua carta ao governador relatando os abusos sofridos, poder batizar sua filha ela tinha apenas 19 anos, eu, 249 anos depois, também cansada dos maus tratos, da perseguição financeira, da opressão racista recaindo mais uma vez sobre mim, decidi, que através de jus postulandi escreveria minha primeira petição fora da universidade: uma contestação para me defender do quarto processo movido contra mim pela empresa internacional onde trabalhava. 

E apesar de contar com o trabalho de excelentes advogados eu abri mão do patrocínio. Quando eu comuniquei a minha advogada que desta vez eu iria sozinha em minha defesa no juízo do trabalho ela falou enfaticamente.: Você vai ser massacrada. E foi o que aconteceu.

“Brasil, chegou a vez
De ouvir as Marias, Mahins, Marielles, malês”

O preço da justiça é a publicidade eterna


Assim como foi com Esperança, negligenciada pelo Poder Judiciário, eu também não tive o auxílio da justiça para expor minha indignação e violência racista que sofri e fui condenada a pagar 15 mil para sanar os a honra de uma empresa, pouco mis que 3 mil dólares.

Mas isso não importa. Se quinze mil dinheiros são o suficientes para reaver a honra e que age de forma, baixa, mesquinha, repugnante, certamente não é dinheiro que calará a minha voz e a voz de Esperança. Que racistas nunca sejam esquecidos. Este é o nosso legado de esperança.






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