Nove músicas para entender o Baile da Lolo

Este texto é o terceiro do compêndio Manifesto do Samba Abstrato

3- Nove músicas para entender o Baile da Lolo


O Baile da Lolo é uma performance carnavalesca política satírica preto. Em outras palavras, é um baile à fantasia inspirado nos coxinhas, paneleiros, seus amigos aristocratas donos do mundo e toda essa galera que simplesmente acaba com a nossa vida todos os dias batendo suas panelas, atrasando nosso rolê e empatando a nossa foda.

Perucas loiras, sapatênis e pulovers já estão na pista e a festa Amem Brother está no controle. Biel Lima encarna Francisquinho Filho Júnior III que junto a anfitriã Lolo Figueiroa com sua panela em punho recebe os convidados. O clima é de desvario onírico e a festa começa.

Francisquinho iniciando os trabalhos no Baile da Lolo (foto: Mariana Ser)

Simbolizando o final de um ciclo e início de uma nova era de estéticas e narrativas pretas, nove músicas para entender o Baile da Lolo.



1 – Liga nas de cem
Aláfia



Não seria possível começar essa festa que nada mais é que um manifesto político e social sem uma análise crítica e direta sobre a real situação das periferias do nosso país. E neste momento, nos cabe apenas nos prostramos diante das palavras do Aláfia na novíssima Liga nas de Cem. Se vamos mesmo falar sobre a realidade e viver os significados num sábado quente de carnaval, é necessário que tudo se passe de forma objetiva e genial. Não temos tempo a perder. Contra a tirania de sua tradição, Aláfia inicia o  Baile da Lolo.



Já aquecidos, embriagados e aptos para iniciar nossa crítica, é preciso fazer o chamado e referência a uma grande Matriarca, como aprendemos nas tradições Afrakanas. Desde o Egito antigo até o trap de Major Lazer  todos devem estar conectados à Margareth sob uma capa de melanina sagrada em um quilombo urbano. O Egito vive dentro de nós.


3 - Work
Rihanna



Pretas chegam com seus vestidos de gala, uns jogam notas fictícias de dinheiro para cima num ato de ira contra a desigualdade social enquanto se requebram até o chão. É simplesmente impossível fazer uma festa preta sem que ela esteja: Rihanna is one of us. É preciso elevar os ânimos nas periferias de Barbados. Verdade que o Brasil é líder em mortes de transexuais e que estamos em um processo de regressão de direitos que nos levará diretamente de volta ao Brasil colônia, se é que algum dia superamos essa fase,  mas encenar um baile decadente sobre os ricos, pintar e gozar as peles, imitar e rir deles parecia algo simples, mas era o mais provocador que se poderia fazer. E isso não é pouco. 



4 - Baba
A.MA.SSA 



“Quando as nossas panelas estavam vazias, não escutamos eles batendo as deles!” , gritamos bem longe do centro. A narrativa continua em direção à periferia que segue em luta, força, talento, fome de viver. Mesmo que seja uma vida seja sem saneamento básico, como uma em cada três pessoas vive no Brasil, mas beleza, o apartamento milionário deles também fica de frente a um esgoto a céu aberto, então estamos todos no mesmo barco e este barco está afundando. Assim como os pretos exterminados no mortífero Cabula, bairro de Salvador, DJ Attoxxa também é baiano, assim como os grandes pais da música brasileira e o coletivo A.MA.SSA.


5 - Vuvuzela (Carnaval)
Buraka



No Baile da Lolo, a festa da elite decadente toca música de favela e  a favela é um mundo. É punk, forte, real. Buraka Som Sistema em alguma favela deste mundo torna-se imprescindível para mostrar que algo está acontecendo globalmente. Eles estão nos atacando, querem nos triturar com seus números e o que planejam para as nossas não-vidas. Estamos vulneráveis diante do sistema político é carnavale em Angola também.


6 - Beija-flor
Timbalada 



Mantendo a coerência da narrativa, o baile está cheio. Perucas loiras, casacos de peles, taças de plástico rodopiam incansavelmente pelo salão.  Perdemos tudo. Perdemos o Brasil (ai que saudade do meu ex! ) A miséria se alastra, e tudo está acontecendo muito rápido. Eles bateram as panelas, mas conseguiram o quê?  Timbalada segue com sua ode ao mais profundo que existe no homem, o elemento místico que nos faz sobreviver e sorrir nesta terra.

Timbalada é a semente de um novo dia
Nordeste sofrimento, povo lutador
Entre mares e montanhas por você eu vou


7 - Me libera nega
Mc beijinho 



E no meio da catarse misturada com caipirinha e confete, um grito de liberdade cruza o salão. “Me libera, nega!”, pede o homem preto, com o que lhe resta de esperança. Porque o Brasil é assim, misterioso, matreiro, maldito. Eles tiraram tudo de nós, nossos sonhos, esperanças, oportunidades, e do nada, no meio do golpe, da polícia, dos 111 tiros em um carro com cinco meninos pretos,  acontece uma coisa mágica e surge o anti-herói. A esperança voltou, segue o baile.




8 - Namorar pra que?
MC Kekel



Mas é carnaval e carnaval é delírio. Está calor e pretos sentem a raiva criativa que muda o mundo enquanto rodam o salão. Seria um protesto anti-patriarcado e homenagem ao alpha Nelson Mandela, alguém perguntaria sobre as motivações de MC Kekel, pois após conhecer Mandela, seja o baile ou o grande líder preto, sabemos que o espírito de liberdade vem a nossa porta e não podemos pedir arrego para a existência. Seguimos. Livres, provocadores, PRETOS acima de tudo. Não passarão.




9 - A Ópera dos Malandros
Samba Enredo Salgueiro 2016 



A festa vai chegando ao fim e o que nos resta é pura gratidão. A oportunidade de saudar nossos ancestrais e de estarmos juntos deve ser louvada. É carnaval e os pretos estão reunidos, assim como nos outros dias do ano. Mas hoje é diferente de segunda à sexta, diferente do saldo do FGTS,  diferente do todo-dia-ela-faz-tudo-sempre-igual. Hoje eles não estão aqui, estamos  JUNTOS e isso é bom.

Eu vou por becos e vielas
Chegou o barão das favelasQuem me protege não dormeMeu santo é forte, é quem me guiaNa luta de cada manhã, um mensageiro da pazDe larôs e saravás!




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