A globalização do Coronavírus e como a desglobalização pode conter a ‘Depopulation’.

 

Por Paulo Mileno*

O professor Milton Santos nos ensina que precisamos estabelecer os pontos de cisão quando fazemos uma análise histórica. Portanto, para falar em globalização, é preciso trazer ao recorte estabelecido pelo próprio, onde  o atual momento onde viemos parar começou após a Segunda Guerra Mundial e, quando vão se afirmar (ou seria globalizar?) os chamados países do terceiro mundo durante os anos 70.

Por hora, se eu mencionei sobre “o atual momento onde viemos parar” e você pensa na pandemia mundial, esteja certo que não perderia essa oportunidade em traçar essa relação de um mundo uno para a globalização de um vírus. Iremos nos desdobrar sobre isso abaixo.

No entanto, por enquanto, fica de lado a interessante comparação entre a corrida armamentista durante um posterior clima de guerra fria, onde o objetivo era investir em pesquisa e fabricação de armas, ao passo que a “corrida” desses nossos dias é investir em pesquisa e fabricação de vacinas em massa. Um vírus mortal se mostrou mais eficiente do que a bomba atômica.

O mundo mudou profundamente quando o primeiro satélite artificial foi lançado ao infinito do espaço sideral revolucionando as novas tecnologias comunicacionais proporcionando uma visão global do planeta “de fora”, em sua órbita, e impondo um discurso universal. É aí que entra a disputa hegemônica.

Falar em globalização nunca foi um assunto fácil de tratar e para a nossa sorte o Brasil produziu um sábio como Milton Santos que logo se tornou um cidadão do mundo, morando nos quatro cantos como África, Europa e nas Américas. Vencedor do Prêmio Internacional de Geografia Vautrin Lud em 1994, considerado o prêmio Nobel da Geografia, Santos soube traduzir como poucos esse processo de mundialização. 

Em linhas gerais, e de acordo com outros estudiosos também, as origens da globalização também podem ser interpretadas a partir da cruzada ultramarina durante a era das descobertas e viagens ao “Novo Mundo”. Impregnado nos corpos dos marinheiros da cruz e da espada, os navios de madeira causaram efeito semelhante ao Cavalo de Tróia (seja o real ou o vírus virtual).

Conforme consta na história, fica registrado, para além do invasão de um pensamento de supremacia racial, do estupro, do roubo, das guerras no território que viria ser chamado de Brasil e o genocídio que viria ser executado por essas terras, ainda antes dos 300 séculos de escravagismo o simples contato do homem branco teria dizimiado praticamente 95% da população originária. Sendo isolados durante milhares de anos, o sistema imunológico dos indígenas não estava preparado para o contágio dos vírus e bactérias vindos da Europa.

Quilombo como forma de sobrevivência

Esse rastro de morte varreu a terra do pau-brasil em cada passo dos descendentes dos neandertais que até pouco tempo estavam nadando no próprio excremento. Naquela época não se tinha o hábito de uso de máscara, álcool em gel e ninguém fazia isolamento social. A maneira encontrada para vivermos em liberdade e saudáveis em corpos, mentes e espíritos só foi possível com a fundação dos Quilombos.

Assim sendo, creio que o ‘Quilombismo’ proposto pelo multifacetado Abdias Nascimento se faz mais urgente do que nunca, se quisermos continuarmos vivos, saudáveis e sem sequelas. Mantendo em isolamento social e em segurança contra a aproximação de corpos estranhos.

 Aproveito para citar também o meu amigo e poeta Marcelo Yuka com a célebre frase “Hoje eu desafio o mundo sem sair da minha casa”. É puro e simples a síntese do que estamos desdobrando até aqui e o que melhor define esses tempos de home office. É fato que desafiamos o mundo disseminado informações, conhecimento e troca de ideias janela afora que vão tão ou mais longe do que o trilho do trem, o cais do porto e a pista de decolagem.

Esse fluxo sem paralelos na história da humanidade nos permite desprogramar a lavagem cerebral incutida pelos meios de comunicação hegemônicos através do pensamento único ao passo que um ponto de vista crítico pode ser estabelecido como contraponto dialético e salvaguardado o direito ao contraditório.

Contrário ao pensamento circundante, o mapa geográfico da globalização, deixa nítido o recorte dos melhores ares para serem respirados dado o descontrole do altos índices diários de mortes ao redor do mundo enquanto, justamente, nos países longínquos, é onde se conseguiu controlar a pandemia global.

Nas ilhas do Caribe em Dominica, Barbados e Cuba; na Oceania em Fiji, Nova Zelândia e Austrália; na Ásia no Japão, Coréia do Norte, Tailândia e Vietnã; na ilha vulcânica localizada no cruzamento da placas tectônica Euroasiática com a Norte-Americana que é a Islândia; além de outros países nórdicos como Finlândia, Noruega e no leste europeu como Montenegro e Croácia, sendo, todos esses dados, embasados por estudos e especialistas, incluindo a Organização Mundial da Saúde (OMS).

O continente africano, o paraíso celestial de Wakanda, nos ensina conforme a sua ficção, que devemos tomar cuidado com a chegada do homem branco. É o continente menos globalizado e é lá onde mora o menor contágio em todo o globo, principalmente, se levarmos em consideração o fator demográfico. Países como Etiópia, Nigéria, Camarões, Angola, Moçambique, Uganda, Ruanda, Chade, Tunísia, Marrocos; entre outros, possuem dados estatísticos bem abaixo da média de 265 mil mortes comparado com o caso do Brasil.

O país africano que registra o maior número de mortes, 50.678, é a África do Sul, considerado pelo professor da Universidade de Witwatersrand na África do Sul, o camaronês Achille Mbembe, como um laboratório axiomático do afropolitanismo. Em outras palavras, entre  54 nações, é o mais globalizado de toda África.

De acordo com Mbembe, a experiência sul africana, por ser multirracial, multiétnica e multirreligiosa, isso é, sua transição de um Estado Racial para um Estado Democrático, faz dela, talvez a única, na história de toda a África e sua Diáspora, uma potência para “conjugar a abertura do mundo e a ascensão da Humanidade”.

A virada de 2020 para 2021, nessas duas primeiras décadas do século XXI, infelizmente, não nos fazem crer que a Humanidade será melhor em seu futuro. Haverá a solidariedade para a construção de uma outra globalização como vislumbrou o professor Milton Santos?

Certamente, os historiadores e nós que vivemos a história, precisaremos nos desdobrar inúmeras outras vezes sobre a globalização de um vírus e a desglobalização como alternativa para a ‘depopulation’.

Fico aqui do meu home office, seja me debruçando entre ‘O Sair da Grande Noite: Ensaio de uma África Descolonizada’ obra de Achille Mbembe e ‘Por Uma Outra Globalização: Do Pensamento Único à Consciência Universal’ de autoria de Milton Santos, com um sopro em meus ouvidos de que a construção de um novo mundo não será pelas mãos desses que trouxeram vírus em 1500 ou há um ano atrás. A história nos mostra que não houve civilização, muito menos, salvação.

A desglobalização ou uma outra globalização se trata de uma nova contribuição das mentes e corações dos povos descendentes da primeira globalização quando se encontrava a unicidade planetária em dias de Pangéia. Bem como Stephen Marley apresenta na introdução de sua música Made in África (Criado em África) “Estudiosos e cientistas agora concebem que a África é o primeiro lugar da humanidade. Os africanos foram os primeiros construtores da civilização. Eles descobriram a matemática, inventaram a escrita, desenvolveram ciências, engenharia, medicina, religião, artes plásticas e construíram as Grandes Pirâmides, uma conquista arquitetônica que ainda confunde os cientistas modernos”.


:: Efigenias ::

Quilombismo


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*Paulo Mileno é um ator, escritor, pesquisador, conselheiro editorial da Revista África e Africanidades e co-autor do livro The Routledge Handbook on Africana Criminologies (2021) publicado pela Routledge International Handbooks. Mileno colabora para diversos jornais nacionais e internacionais, como Jornal do Brasil, Brasil de Fato, Observatório da Imprensa,  Black History Month (Inglaterra), Black Star News (New York - Estados Unidos), San Francisco BayView National Black Newspaper (San Francisco  - Estados Unidos), Ufahamu: A Journal of African Studies da Universidade da Califórnia, UCLA (Los Angeles – Estados Unidos) e Africa Business (Cidade do Cabo - África do Sul). 

Contato: pmileno@gmail.com