Eu estava com o fone de ouvido desligado para evitar contato com seres humanos e do meu lado, no corredor apertado da loja de bijouteria, uma família branca. Mãe, filha e filho, ambos adolescentes. E por branco eu digo branco mesmo, não esses pretos que vocês chamam de branco para se sentirem melhor com vocês mesmos e corroborar a infeliz tese da bem sucedida mestiçagem brasileira.
A menina:
- Mãe, eu tenho uma amiga nova na escola, ela é que nem ela (no caso eu, mulher preta)
- Xiu, fala baixo
- Por quê?
A mãe não respondeu e continuou comprando. A jovem continuou:
- A minha amiga ela tem o cabelo assim pra cima, sabe, bem cheio, não sei como chama... é bonito.
- Aham... diz a mãe sem dar atenção.
- Ela tem muito estilo... ela usa uma argola grande assim, e a menina pega uma argola e mostra pra mãe. Fica lindo nela com aquele cabelo... mas em mim não combina - falou claramente pedindo aprovação da mãe. Ela queria ter o estilo daquela amiga.
A mãe demonstrando desconforto pela admiração que a filha branca demonstra ter pela amiga preta, prevendo onde essa admiração poderia levar, ativou o modo #branquismo:
- Desse tamanho? Credo! Acho horrível ESSAS PESSOAS que usam brincos assim.
A mãe não se limitou a falar do brinco ou do estilo, deixou claro que horríveis eram essas pessoas com o cabelo pra cima e suas argolas.
O filho, percebendo que o branquismo estava ativado continuou:
- Quando eu vejo ESSAS PESSOAS com o cabelo pra cima e um brinco desse tamanho... é muito feio. Não quero nem chegar perto, o menino falou com cara de nojo.
A mãe aprovou. Estava feito o pacto. Continuou:
- Cabelo não pode ser alto e brinco bonito é assim, disse a mãe mostrando um brinco pequeno com a imagem de uma mulher branca com o cabelo liso na embalagem.
A menina ficou com a argola na mão. Devia estar naquele momento internalizando que cabelo pra cima e argola grande não é bonito, é horrível, assim como as pessoas que como eu que tem o cabelo pra cima. Certamente falará isso na escola pra amiga, na frente dos outros amigos brancos, afinal, foi o que sua mãe disse.
