O Elevador e o meu Personal Hitler

O que o Rei Leopoldo da Bélgica tem a ver com eu não pegar o elevador no prédio da minha mãe.


Por Luanna Teofillo




Essa semana com a notícia do assassinato do menino Miguel, muitas pessoas vieram até mim falar sobre meu Tedx Elevador, principalmente depois que descobriram que a assassina colocou o menino preto no elevador de serviço, onde a mãe da minha amiga de infância achava que trabalhadores da minha cor deveriam subir.


Quando acontecem casos de racismo comigo ou com algum irmão, eu costumo sonhar com meu personal Hitler. Como se sabe Hitler foi um líder totalitário racista e genocida, mas a verdade é que foi apenas um deles. O Rei Leopoldo II da Bélgica por exemplo,  matou 15 milhões de africanos no Congo, mas quando você aleija,  mata,  extermina corpos pretos, você não se torna popular e conhecido. O fato é que Hitler se tornou um símbolo do mal no ocidente, assim como no meu subconsciente, V. se tornou um símbolo do racismo e povoou meu subconsciente por mais de duas décadas.


V. era um menino branco que morava no condomínio onde eu passei minha infância e que se tornou meu algoz por anos. Na noite da notícia do Miguel, depois de ver a imagem do menino preto sozinho no elevador (de serviço), eu sonhei com as infindáveis sessões de tortura que aconteciam dentro do elevador com V. e seus amigos me xingando e humilhando. Anos depois V. se tornou síndico do condomínio onde eu não vivo mais,  mas que eu passei a subir de escada nas minhas visitas aos meus país. Minha consciência dizia que eu subia os cinco andares de escada para manter a forma, mas a verdade é que mesmo adulta eu tinha pavor de encontrar com V. no elevador.


Os anos de tortura racista na infância passaram, mas o racismo continuou na vida adulta no trabalho. Desde as torturantes entrevistas de emprego onde meu currículo era ótimo mas eu não tinha o perfil, os colegas racistas e seus comentários, passando por uma agência onde fui dispensada porque o dono, em suas palavras, “não se sentia confortável que quando um cliente conhecesse a agência a pessoa que estivesse lá fosse eu, porque eu era diferente deles”, até ser discriminada, humilhada, despedida e processada quatro vezes por denunciar o racismo de uma gerente em uma empresa internacional. O racismo nunca me abandonou e na minha mente,  V. era o símbolo de todo esse mal.


Dia desses dias, de quarentena na casa dos meus pais, eu cruzei com V. Fazia mais de 25 anos que não o via e fiquei petrificada. Me senti como quando tinha 12 anos dentro do elevador. O mesmo medo,  insegurança e solidão de ser uma menina preta diante de Hitler ou do Rei Leopoldo II.


Naquela noite, como em muitas noites quando o demônio branco do racismo está forte na minha mente, eu tive um pesadelo, mas não sonhei com ele. Meu personal Hitler agora era ela, a ex-chefe racista. O  rosto enrugado, o olhar de desprezo, aquela voz dizendo: “Tira isso!”, se referindo às tranças no meu cabelo. Ela conseguiu destronar V. e se tornar meu personal Hitler. O símbolo do mal, da intolerância e do racismo.


Esses símbolos permeiam meu subconsciente e as crianças pretas que viveram o racismo no passado e continuam vivendo todos os dias em seus empregos.


::Efigenias::


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