Desabafo de uma vencedora



No dia 7 de outubro de 2018, Erica Malunguinho, representando 54 mil vozes de um Quilombo foi eleita Deputada Estadual do Estado de São Paulo. 



Eu sou uma profissional com 20 anos de experiência e quase 10 deles trabalhados em empresas de tecnologia  Apesar de já ser uma empreendedora, ainda não consegui mover as estruturas seculares e sair da casta dos operários para viver apenas dos meus negócios e sigo trabalhando para empresas e agências brasileiras. Sempre que entro num escritório cheio de brancos a primeira coisa que eu penso é: quantos minutos vai levar para um branco ser racista e quantos meses vai demorar para uma sinhazinha não precisar mais dos meus serviços e me descartar para colocar uma amiga dela branca no meu lugar.

Na última agência que eu trabalhei, foi um recorde. No primeiro dia uma branca contou uma piada racista na reunião e em um mês o chefe me mandou embora porque ele "não se sentia à vontade que uma pessoa como eu representasse a agência porque eu não tinha a CARA da empresa". Ele tinha razão, eu não era branca e burguesa. Eu era uma profissional preta com tanta experiência e talento que o ego branco dele e da sinhazinha não deram conta. O privilégio branco encobre muita mediocridade, não se engane sobre o que pode fazer um profissional quando é desmascarado em suas limitações.

Na agência anterior a essa, uma tarde a sinhazinha mor me chamou na sala dela para dizer que ela tinha lido num livro que pretos eram inferiores aos brancos e que oportunidades como a que ela estava me dando era o que fazia com que pretos pudessem se equiparar.  Meses depois eu fui dispensada, minha posição não existiria mais na nova equipe, mas na semana seguinte já tinha uma mulher branca com menos experiência do que eu sentada na minha cadeira. Ou será que foi por isso?

Antes disso, em uma outra empresa internacional, eu fui discriminada, despedida e escoltada para fora do escritório por ter trançado meu cabelo crespo num episódio conhecido como #tiraisso. Em tempo, até hoje a empresa me processa por ter denunciado a discriminação e exige que eu pague 50 mil reais de danos morais. A empresa teve seu pedido julgado improcedente para 19 Vara do Trabalho do Foro de São Paulo, mas entrou com o recurso, afinal, uma branca deve lutar pelo direito de ser racista e a empresa está aí para proteger esse direito.

Nesta ocasião, cansada de ser discriminada e nunca poder desenvolver meu potencial profissional dentro de uma empresa POR SER PRETA, POR TER OUTRA CULTURA, POR TER O CABELO CRESPO, eu vi uma oportunidade de criar um produto digital inovador: o Painel BAP, o primeiro painel de consumidores afrobrasileiro.


Em novembro de 2017 o Painel BAP, uma startup preta, fez uma pesquisa inédita, uma coisa que nenhum branco em 500 anos tinha pensado ou teve o interesse de em fazer: uma pesquisa com afrodescendentes sobre sistema político, candidatos e partidos.  Um dos nomes que apareceu na pesquisa foi o de Erica Malunguinho, como uma representante da população preta de São Paulo. A arte-ativista é empresária fundadora de Aparelha Luzia, quilombo urbano de afeto, artes, política e tecnologias pretas ancestrais. 

Como eu sou amiga da Erica, mandei o resultado da pesquisa pra ela antes de publicar. Ela respondeu: Preta, isso é sério. E algo começa a acontecer até fazemos história e elegermos com uma Candidatura Quilombo, pequena e sem recursos a primeira mulher preta e trans da Assembléia Legislativa do Estado de São Paulo.

Hoje, essa mesma profissional gerente dos projetos dos brancos, Product Manager da casa grande ganhou uma eleição dentro de dentro de um Quilombo, usando experiência, metodologia, processo, comunicação, inteligência e tecnologia PRETAS... Enquanto eu não tenho a cara da empresa dos brancos, mais uma vez eu faço história.

Obrigada Erica Malunguinho, obrigada Candidatura Quilombo, Obrigada aos 54 mil Malungueiros a Malungueiras.


:: Efigenias ::

Erica Malunguinho Candidata Estadual Eleita