O corpo de Childish Gambino em This is America

A ciência por trás dos passinhos de Donald Glover


O mundo gozava de relativa e imaginária paz e estabilidade. Pretos continuavam sendo mortos pelo Estado,  crianças brincavam no quintal até que Donald Glover a.k.a Childish Gambino lançou o clip This is America e o mundo nunca mais foi o mesmo.

Se você não considera a DANÇA algo revolucionário, você não entendeu nada


A genialidade do uso da dança como linguagem cultural é parte integrante da asili cultural africana (1). Desta vez Childish Gambino foi além. Elevou a arte do fazer videoclíptico a um nível de estado da arte, registro histórico e acadêmico. Diversas análises e observações cabem a esta que é um obra completa, mas resolvemos baixar o volume e ler apenas o corpo e os movimentos feito por Gambino (CG ou O Personagem) e criar uma narrativa construída através de passinhos e dance moves dessa alegoria sobre a vida de um homem preto na América.


Girl you got me dancing



"Gata, você me conquistou dançando", teria dito ele num convite a observarmos com atenção 
todo e qualquer movimento.

No início da narrativa, CG já nos prepara para o épico que vamos presenciar. Sem camisa, com duas corrente de ouro, demonstra com pequenos movimentos com o pescoço que aquele corpo quer nos dizer algo. Fique atento.

Homens pretos, sem camisa e suas correntes. O que eles têm a dizer com seus corpos?

Durante o clip, vamos acompanhar a história d'O Personagem que fará sua trajetória através de uma narrativa criada através de diferentes passos de dança ou hip hop moves que apresentará no decorrer da performance. Vamos observar também o vínculo de CG com o corpo dos outros personagens e relacionar com ideias e modelos relacionados à black culture e a história do povo preto na América.

Dê o que eles querem. Shake you ass

Já na primeira passagem ele expõe sua intenção e objetivo. Demonstra que cada um dos seus movimentos representa uma personas, um arquétipos que será vividos por ele para expressar o seu ponto de vista.  Cada um dos passinhos é um hood, uma quebrada, um bonde, um preto.  Movemos nosso corpo para sobreviver na América 

E assim como se deu (dá) a exploração do corpo preto no trabalho braçal, o que a dança tem a ver com isso? Neste trecho ele começa daçando e movendo seu corpo à frente.  Quando faz o  nae nae, ele se fortalece e permanece firme  e é assim que nos movemos e dançamos para continuar. 



O corpo como camada de simbólica e ideológica


Por que ninguém desvia de mim?



Feel good, golden glide, the rock, find the beat, take a break, douguie, crank, the real harlem shake, booty dew e mais dezenas de passinhos e moves, para contar a história da vida do um homem preto e o que é preciso fazer para sobrevir nos Estados Unidos "pós-escravismo" onde seu corpo continua a ser objetificado, explorado e morto ao mesmo tempo que o mesmo corpo é um caminho para sua libertação e uma de suas maiores virtudes.

Da união destes corpos pretos escravizados e a conexão com a ancestralidade livre nasce a cultura da América, dos corpos pretos se movendo. VER HOMENS PRETOS DANÇANDO TEM SIDO UMA OBSESSÃO PARA OS BRANCOS, assim como derrubar e encarcerar os seus corpos.  Na sequência, com seus movimentos eles diz: 

- Me escute, você esta é na América. Se você não dançar, você será chicoteado, por isso lembre-se de manter um sorriso no rosto e seguir dançando pra eles.



Neste trecho, visualmente,  ele faz referência a um arquétipo comum do imaginário Afro-Americano do homem preto capturado mentalmente pelo branco e que sente auto-ódio e reproduz o racismo e o pensamento do demônio branco. Se aproxima ao conceito de "capitão-do-mato", mas será que um homem preto tem mesmo escolha, ou você prefere ser chicoteado?

 

O Rei que dançou para a América

O personagem prossegue em sua epopéia. Do meio do racismo, da polícia, da pobreza e  morte, nasce o talento e a força de sobrevivência dos pretos e CG nos conta a história de um rei preto que dançou seu caminho até o sucesso é o enredo deste trecho da coreografia. 



São três movimento: o primeiro remete a ABC, o menino preto Michael Jackson e seus irmãos até chagar ao segundo movimento, que representa o seu Reinado e no final, CB nos chama e entender que existe um preço a ser pago, porque para eles a nossa dança faz parte disso.  Em outros momentos do clip, ele usa a giro clássico de Michael Jackson para indicar o show business, como fazer dinheiro com aqueles movimento. Black man, escute a sua avó e vá buscar o seu dinheiro.


Viagem à África



Para validar seu ponto de vista o personagem se move até a Africa do Sul e dança com os estudantes de Soweto. Notem que em algum momento, ele, estrangeiro, chama os estudantes para dançar o Gwara Gwara. A dança é natural para eles, mas é preciso transformar aquilo em um show pra mantê-los entretidos entre um e outro corpo preto que cai. Tudo pelo dinheiro, é assim na América. Mas se a dança  e o movimento são a nossa força, por que se tornou também nossa vulnerabilidade? Por que ainda dançamos?

Vulneralibidade: o ódio não cobina com a dança



CG  dá um slip way e nos traz mais uma reflexão. Na igreja as pessoas cantam alegremente e cheios de fés, movimentam seus braços para frente como gesto de humildade e assim estão mais uma vez prostrados e vulneráveis como seus antepassados presos pelos pulsos. Será que nossa fé nos vulnerabiliza? Po rque diante de tantos chicotes e tantos corpos, continuamos, amando, acreditando? Isso é a America, sua fé não vai te proteger. Aqui temos que dançar.


Siga dançando homem preto, siga dançando



Mais corpos pretos no chão. A polícia e as pessoas fingem que se importam,  e o Personagem já aprendeu o que deve fazer para continuar em direção contrária a tudo aquilo e continua dançando e traçando seu caminho na existência. Em um salto, ele já está pronto para outra luta. Sua dança é tribal.

Neste trecho da narrativa do herói, o Personagem faz uma ilustração onde encarna personas, o que cada uma delas representa e como não importa quem você seja neste cenário você terá que dançar para sobreviver. 



Cada um tem seu estilo e move seu corpo preto, mas todos estão sendo mortos e todos estamos lutando para sobreviver. 


Todos temos que dançar

Então já que você usa seu celular para mostrar seus passinhos e dominar o mundo com a sua cultura, saiba que ele também é uma ferramenta e uma arma e é preciso que haja registro da história.


Mantenha os brancos entretidos



Em fevereiro se comemora nos EUA o Black History Month onde se reforça a importância da cultura e a história do povo afro-americano.  Neste ano na América surgiu o Shoot, e fazer aquela dança foi salvação naquele momento. As pessoas dançando juntas, estudantes e seu futuro contagiante, é essa imagem que eles querem. Eles nos querem sorrindo ao lado da morte, da policia, da pobreza. Precisamos mantê-los entretidos, é a única forma de prosseguir.


Mas uma hora a música acaba e ele corre...

Como muitos correram antes. Corre de tudo aquilo, dos brancos, do racismo, dos cães, da violência, da morte, da dor, da indiferença, do nigger, do ódio, ele corre de tudo. Essa não é vida para um cachorro, ele disse.

Corra!

...e dança diante da América e toda sua injustiça

Ele dança porque a dança é o ser que habita nele sua forma de existir enquanto ser original da Terra. Eles tiram tudo da gente, mas temos nós mesmos e  o nosso corpo, porque é através desses movimento que somos livres mesmo quando somos mortos por eles. Ele dança, assim como antes deles dançaram e continuaremos dançando em todas as quebradas e todos os ritmos.


Ele mais um vez se devota a seu ancestral e reverencia o rei que dançou antes dele e dança diante da cegueira de seus iguais e a indiferença da América.




:: Efigenias ::

Black man get you money





______________

(1) Asili   –   O logos de uma cultura, no âmbito do qual os seus vários aspectos concordam. É o germe/semente de desenvolvimento de uma cultura. É a essência cultural, o núcleo ideológico, a matriz de uma entidade cultural que deve ser identificada, a fim de fazer sentido das criações coletivas de seus membros. Marimba Ani — Yurugu — Uma Crítica Africano-Centrada do Pensamento e Comportamento Cultural Europeu