A farsa picaresca de Celso

A história do dia em que “em nome da lei” e da audiência, o candidato a prefeito da cidade de São Paulo, Celso Russomano do partido PRB, humilhou trabalhadores para criar uma cena sensacionalista e grosseira e exibí-la em seu programa de televisão.


Em idos de 2005, o então Deputado Federal pelo PPB Celso Russomano apresentava um quadro no programa Dia a Dia da Rede Bandeirantes. O plot da atração era a Defesa do Consumidor in loco, ou seja, em companhia do apresentador e paladino do Direito Consumerista, pessoas comuns alcançariam a justiça em conflitos nas relações de consumo.

No vídeo que nas últimas semanas vem bombando na internet, ressuscitado por contrários ao candidato do PRB à Prefeitura, vemos Celso Russomano de forma agressiva e autoritária oprimir trabalhadores de um supermercado para, segundo ele, fazer cumprir a lei. A trama começa quando o Repórter-Deputado (a dialética será explicada à frente) explica de forma didática que pela lei, o consumidor pode comprar produtos em unidades menores do que vendido no mercado varejista, ou seja, o estabelecimento seria obrigado a, por exemplo, abrir uma caixa e vender apenas uma única caixinha de fósforo para um cliente se ele assim desejasse.

Cleide Cruz, a caixa que vemos no vídeo interagindo com o Russomano, dez anos depois contou ao blog Efigenias que aconteceu no fatídico dia:
"O Deputado Celso foi até o supermercado atender a reclamação de uma cliente. Eles chegaram de repente sem nenhuma explicação e sem pedir permissão foi colocando a câmera da minha cara e pedindo pra chamar o gerente da loja. Entrou passou uns trinta minutos fazendo a tal compra e depois mais uma hora no caixa discutindo comigo, meus colegas e até outros clientes da loja, até que uns dos diretores por telefone falou com ele e nos autorizou a passar as compras."
O supermercado em questão, o Dia, faz parte do gigante varejista Carrefour e tem por característica ser um supermercado com apelo popular e mercados pequenos. A unidade onde tudo aconteceu fica na estrada da Barreira Grande, no bairro Jardim Colorado, zona leste de São Paulo. Lá trabalhava Cleide Cruz já havia um ano e meio em um ambiente exaustivo com salários muito baixos, como é a realidade da maior parte dos trabalhadores brasileiros.
"Chegou lá sem ao menos explicar o que estava acontecendo e foi exigindo que vendêssemos os produtos por unidade. Lembro que a cliente fez uma reclamação direta com a encarregada da loja (um mês antes) e foi orientada a procurar o SAC do mercado. Ninguém tirou a razão dela, apenas explicamos que a loja nos impunha algumas normas e não poderíamos desobedecer."
Celso então passa a proferir ameaças e agressões verbais aos funcionários e floresce a dualidade Deputado-Repórter. Segundo o relato de Cleide, Russomano não hesitou em dar uma carteirada para forçar sua figura autoritária: "Eu sou um deputado, vocês pensam que estão falando com quem?" disse aos trabalhadores, sob a luz quente dos refletores e o típico patrimonialismo usado para fins de entretenimento e proveito próprio. Sem considerar legislações e portarias referentes à segurança alimentícia e manutenção dos produtos, Celso segue incauto na missão de garantir o direito e rasgar o pacote de papel higiênico para comprar apenas um rolo.

Além do show grotesco do repórter Russomano que tratou funcionários de forma rude e agressiva, não podemos nos esquecer da responsabilidade do supermercado pelas condições de trabalho dos trabalhadores e por não atender corretamente a reclamação da cliente que já havia se queixado no supermercado à gerente e foi mal tratada. Tudo isso poderia ter sido evitado com uma boa condução da queixa e respeito ao consumidor, mas acabou com uma câmera na cara de Cleide que assim como seus colegas não tinha nem cadeira para sentar, trabalhavam de pé e assim estava quando o Celso Russomano cruzou sua vida com um microfone na mão. E claro que entre o Deputado mediático e a empresa opressora, as piores consequências sobram sempre para o trabalhador:
"Minha relação com a empresa que já não era boa pela exploração que eles faziam só piorou. No mesmo dia do ocorrido eu tomei três advertências e três dias de suspensão (com desconto no meu salário) me transferiram para um loja que ficava em Ferraz de Vasconcelos mais longe e contra-mão da minha casa. Depois disso me transferiram mais três vezes e nas lojas em que fiquei fui maltratada por colegas que achavam que a minha presença ali era um perigo, achavam que o Celso Russomanno poderia aparecer lá e arrumar confusão pra eles. Comparavam a minha presença como uma doença altamente contagiosa. E toda essa bagunça fez com que eu fosse obrigada a pedir as contas pois não quiseram fazer um acordo, me forçaram a pedir as contas. Me senti péssima, senti culpa pelo que houve durante muito tempo e fui exposta de uma forma covarde e desrespeitosa. Sabe o que ganhei com tudo isso? Uma gastrite nervosa que parou de me incomodar a pouco tempo, mas ela sempre volta. Complicado viu!"
Diz Cleide que com a câmera desligada ou em imagens que foram editadas do vídeo que tem mais de 100 mil views, Celso Russomano chegou a mandar os trabalhadores calarem a boca, e que estava ali para ensiná-los a ser gente. Algumas clientes que foram defender Cleide também foram ofendidas

A injustiçada freguesa recorrente do mercado e que por uma falta de responsabilidade da empresa foi maltratada e pela avidez de Celso Russomano teve sua imagem usada para chamar atenção para o programa, depois do terrível ocorrido continuou comprando no supermercado como antes, não houve uma verdadeira solução para o problema. Só que depois da farsa de Celso, os vizinhos passaram a tirar sarro do ocorrido e seu nome Leni foi substituído no bairro próximo a Vila Formosa por Miss Defesa do Consumidor.

"Não julgo ela, ela teve e tem direito de reclamar, o sem noção foi ele." 




:: Efigenias ::

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Nota da Editora: Eu me lembro bem da época quando vi este vídeo e anos depois no Facebook. Me surpreendi ao ver a Cleidoca, artista, super querida e da paz numa situação de tamanha humilhação. Obrigada pela oportunidade de contar sua história. Espero que agora sua voz alcance justiça.